segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O mundo é apenas um lugar estranho

Um dos livros que mais me tocou em 2016 é um livro tímido, pouco conhecido em comparação com outros nomes que retratam o mesmo período e, para mim, muito mais ricos em detalhes daquilo que não podemos esquecer.
O diário de Helga – O relato de uma menina sobre a vida em um campo de concentração


Autor: Helga Weiss
Editora: Intrínseca
Tradução: George Schlesinger
Páginas: 256
Gênero: Não Ficção
Preço: R$25 – 40,00

Helga Weiss nasceu no ano de 1929 em Praga. Filha de um bancário e de uma costureira, começou a escrever em seu diário a vida que começava a ser assombrada pela ocupação nazista. Um dos primeiros atos foi a perda de emprego de seu pai, depois a identificação e segregação, sua expulsão da escola e por último o transporte de sua família para Terezin.
Apesar do diário ser iniciado quando criança (8 anos) e ao fim da Segunda Guerra Mundial ela ser uma adolescente (15 anos), você não encontra traços tão infantis nas passagens como no Diário de Anne Franke. Lançado em 2013, o diário foi revisado pela própria Helga com o intuito de manter a autenticidade e a forma da narrativa.
Helga Weiss
Helga transparece sua angustia em ver seus amigos e parentes, um por um, entrarem no chamado transporte. Em alguns momentos deseja que sua família seja convocada logo para que possa reencontrar aqueles que ama.  Trechos que quando li me apertava o coração, mal ela sabia o que os esperavam.
Contendo informações complementares (encontradas no sumário ao fim do livro), os termos em alemão, lugares e apelidos são explicados. Tradições judaicas e o processo interno “das burocracias” são claramente apresentados ao leitor. Das 15 mil crianças que passaram por Terezin, apenas 100 das transportadas para Auschwitz sobreviveram. Helga, é de fato uma sobrevivente.
O que eu não sabia sobre o pós-guerra foi a forma que mundo lidou com o que acharam nos campos de concentração. Relatado na entrevista – exposta após o diário – Helga conta como foram os anos subsequentes ao Holocausto. As nações simplesmente fecharam os olhos para aquele horror. Só após muitos anos reconheceram a proporção do ódio levantado contra os judeus e demais perseguidos.
“[…] Muitos – não, certamente todos – estão chorando em silêncio, mas nós não demonstramos nossas emoções. Para que dar esse prazer aos alemães? Jamais! Temos força para nos controlar. Ou deveríamos nos envergonhar da nossa aparência? Das estrelas? Dos números? Não, não é culpa nossa, alguém se envergonhará por isto. O mundo é apenas um lugar estranho.” Pág. 63
As privações de sono, alimentos, roupas e o trabalho excessivo está exposto. Quem pode viver com 300 gramas de pão a cada dois, três dias? Eram forçados a ficarem de 2 a 5 horas em pé ora no sol escaldante, ora nos horários em que o inverno mais castigava para contagem dos grupos e identificar fugitivos. Conferência que não duraria normalmente nem 20 minutos.
Helga conta em seu diário as incertezas que viveram a cada dia, tanto sobre o fim da guerra quanto aos boatos de grandes fornos e câmaras de gás. Durante anos eles não sabiam o que lhes aconteceriam no dia do amanhã e a cada transporte, Helga escrevia frases transparecendo que não acreditava que “desta vez sobreviveria”.
O relato de uma criança que vê fileiras de pessoas sendo levadas para lugares do campo de concentração do qual nunca retornam – apenas uma fumaça ao fundo – só não te choca mais porque, de fato, Helga não entendia o que estava acontecendo e isto você percebe muito bem conforme a leitura se desenrola.

Crianças polonesas que Helga viu quando estava em Terezin. De lá foram levadas para Auschwitz e mortas na câmara de gás
Esta é mais uma leitura que te enriquece culturalmente. Conhecer o sentimento e as experiências de pessoas que vivenciaram este período para mim, como ser humano. Há uma passagem em que Helga vê seu reflexo e não se reconhece. Ossos do rosto e do corpo tão escancarados devido a sua magreza que não se vê como uma pessoa, é uma sombra muito distante de um ser humano.
“[…] o que essas… pessoas?… passaram? Sim, já foram pessoas um dia. Saudáveis, fortes, com vontade e pensamentos próprios, com sentimentos, interesses e amor. Amor pela vida, pelas coisas boas, pela beleza, com fé num amanhã melhor. O que resta são fantasmas, corpos, esqueletos sem altas.” Pág. 189
Agora, se você procura uma leitura sobre o holocausto que aborde cronologicamente fatos históricos e que contenha riqueza de detalhes sobre o período, este livro não é para você. Neste livro você irá encontrar a trajetória de uma família em Terezin e ao fim, de uma mãe e sua filha que fazem de tudo para sobreviver a Auschwitz, Freiberg e por último a marcha da morte de 16 dias para o campo de Mauthausen.
Nesta edição que apresento a vocês encontrarão ainda fotos da família, desenhos de Helga e documentos da época. Helga Weiss e sua família foram levados em 4 de dezembro 1941. Ela e sua mãe foram libertadas em 5 de maio de 1945.
Helga atualmente mora em Praga e no mesmo apartamento que sua família morava. Hoje ela está com 87 anos e é reconhecida mundialmente por sua arte e história de vida.
Instagram: @cbredlich
Texto originalmente escrito para Immagine

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